Antonio Aílton. (Foto: Divulgação) |
Antonio Aílton, com Martelo & Flor, funda, definitivamente, os estudos de teoria e crítica literária, no Maranhão, no que tange ao que seja Poema & Poesia como assunto científico
Ricardo Nonato, JP Turismo - A Ilhas por razões submersas, rari nantes in gurgite vasto, (raros sobreviventes no vasto oceano), são, paradoxalmente, lugares propícios para florescerem talentos, a despeito de serem verdadeiros continentes isolados do mundo pelo mar. Mas aí, não raro, brotam gênios.
Na ilha Ítaca, na Grécia, por exemplo, possivelmente nasceu Homero. Consta que o verdadeiro nome dele era Melegísenes. Homero, em Colofón, era o nome que se dava a qualquer um que fosse cego, portanto de grafia minúscula. Daí que, só depois que ficou cego, recebeu o apelido de Homero, cognome com que se tornou imortal. Imaginem se o poeta enxergasse? Cego, produziu o mais genial poema antigo e, ao mesmo tempo, moderníssimo, cuja poesia que retém, até hoje é insuperável. Ali, naquela narrativa já repousam todos os ingredientes do romance que viria a ser construído a partir de Sterne, Joyce, Proust – progressão, digressão, intersecção ou interpolação, ou flashback.
A ilha Dublin, Irlanda, foi a pátria de James Joyce, outro gênio cíclico, autor de dois monumentos da pós-modernidade, romances enciclopédicos ou megaromances, Ulisses e Finnegans Wake.
A pequena ilha de St. Lucia, no Arquipélago das Pequenas Antilhas, Caribe, é berço de Derek Walcott que, com a epopeia pós-moderna Omeros, mereceu o Prêmio Nobel de Literatura de 1992. Como poderão comprovar as ilhas produzem monstros sagrados mesmo.
São Luís é uma ilha que, apesar da atávica, preguiça de alguns que, por diletantismo ou inconhecimento, jogam os talentos na lixeira do tempo, é um celeiro de excelentes poetas. Longe de mim enumerar todos de uma lista vastíssima. Daqui e dos demais municípios do Maranhão, a vocação para a poesia é natural e se manifesta num verdadeiro mosaico de gêneros – poemas, artes plásticas, música, ritmos, alegorias, fotografia, cinema, dança, mímica, etc. E esse amálgama carece de um suporte teórico capaz de dar-lhe sustentação.
Dentre os grandes consagrados nacional e internacionalmente, estão Gonçalves Dias, Sousândrade, Maranhão Sobrinho, Osvaldino Marques, Nauro Machado, Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi e Manuel Caetano Bandeira de Mello. Sem contar com os que ganharam mundo com poesia em prosa, Aluísio Azevedo, Josué Montelo, Franklin de Oliveira, Ubiratan Teixeira.
Apesar dessas safras prodigiosas, somos pobres em teoria e crítica literária. Essa pobreza não deixa de prejudicar e até fazer com que se percam tantos talentos que, infelizmente, à mercê de pouca ou nenhuma informação sobre os assuntos de que tratam como criação artística, acabam se perdendo, no meio do caminho, em equívocos.
Capa do livro. (Foto: Divulgação)
Sem dúvida, Osvaldino Marques, Franklin de Oliveira, Ricardo Leão e Ceres Costa Fernandes semearam lastro nesse quesito, ora em questão. Mas até há pouco tempo não contávamos com um texto de tema ambicioso e tão essencial para a Literatura Maranhense, leia-se também, Brasileira e Universal, sobre Poema & Poesia, como um farto documentário sobre o que seja esse binômio, sob um leque amplo de perspectivas. Hoje podemos assegurar que temos essa obra-prima, pilar, marco, ícone da Teoria e Crítica Literária Maranhense: Martelo & Flor, da autoria do escritor, poeta, ensaísta e crítico literário Antonio Aílton, Doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Qual a importância de um livro dessa natureza para a criação literária? Infinita, porque pela primeira vez, no Maranhão, publicado pela Editora da UFMA (EDUFMA), temos a oportunidade de ter um livro que documenta, exaustivamente, e ao grau da excelência, o que é, de fato, o poema e o que é Poesia, que se declina em horizontes da Forma e da Experiência na poética brasileira e, quiçá internacional, contemporânea, com um olhar na tradição herdada e outro a viés.
Para se ter uma verdadeira dimensão desse acontecimento, podemos apostar tratar-se de uma obra de cabeceira para escritores e artistas em geral, para professores e alunos de Literatura, Estética, Comunicação e Expressão, principalmente deve ser adotado com urgência no currículo de leitura obrigatória das Faculdades de Letras, Filosofia, Sociologia, Teoria e Crítica Literária.
Antonio Aílton, com Martelo & Flor, funda, definitivamente, os estudos de teoria e crítica literária, no Maranhão, no que tange ao que seja Poema & Poesia como assunto científico.
A obra de Aílton transita nesse tráfego, convergente, confluente e frequente, se alinha e ultrapassa monstros sagrados da teoria e crítica literária, no quesito Poesia & Poema. Logra poder fazer parte de círculos de autores que ainda hoje funcionam como antenas, faróis, cujos raios transpõem fronteiras para iluminar as áreas mais obscuras das mentes humanas, para, conforme diz Ezra Pound, no mais curto espaço de tempo, encontrarem uma ordenação do conhecimento ou paideuma, o que é vital para que cada poeta encontre os livros certos para suas leituras e, assim, possam produzir textos com literariedade através do encontro, na palavra, do desvio de um significado comum para um sentido especial.
Todos, afinal, têm o direito sagrado de escolher a sua própria identidade artística e de como querem fazer parte da história da literatura. No meio do caminho, está, hoje, como pão recém-saído do forno, quentinho e de fácil acesso, Martelo & Flor. É só adquirir, invadir as páginas e, após ler essa obra, seguir em frente, sem olhar para trás. Não corra o risco de virar estátua de sal no saudosismo e na nostalgia do que hoje já é excessivamente óbvio. Escolha o imprevisível, se possível. Vá em frente, não a reboque, mas às avessas.
RICARDO NONATO
A tese apresentada por Antonio Aílton no seu primoroso trabalho Martelo & Flor: horizontes da forma e da experiência na poesia brasileira contemporânea propõe cinco perspectivas muito bem delimitadas, a partir de dois eixos em torno dos quais a arte ocidental vem duelando ao longo dos séculos: a forma e a experiência, ligando tradições e expectativas, pensadas do ponto da vista da criação e da produção poética em diálogo com o seu tempo.
Dividido em duas partes, o livro estabelece dobraduras e, nelas, as múltiplas facetas a serem observadas para que os sentidos da leitura proposta possam se constituir. Na primeira parte, Hodologia – caminhos – , o autor discorre acerca do que nós podemos hoje refletir, lançar dúvidas, sobre a materialidade do mundo contemporâneo ao pensarmos sobre dimensões formais e experienciais a partir de uma relação e suas tensões, sendo múltiplas suas perspectivas estabelecidas em torno de nossa frágil noção de tempo. É nessa parte que encontramos a “Primeira dobradura” do livro, que articula noções de forma&poesia e de experiência&poesia.
O autor denomina suas escolhas – uma necessidade –, como “referências axiais”, e admite que elas ocupam um papel representativo no cenário nacional, mas não de exclusividade, de modo que autores e obras selecionadas encontram-se espalhados pelo território, sendo a importância de cada um pensada numa perspectiva descentralizada.
São tratados como “horizontes fortes”, momentos da produção poética de Salgado Maranhão, Alexandre Guarnieri, Ana Martins Marques, Carlito Azevedo, Hagamenon de Jesus e Miró da Muribeca. Interessado na relação entre forma e experiência, entendidas a partir das dimensões do texto e suas camadas interrogativas, entende que o livro se mantém aberto para possibilidades – horizontes de leitura – que expõe no decorrer de suas páginas a partir de uma pauta que tensiona realidades deflagradas pela leitura do texto literário.
No seu estudo da poesia contemporânea brasileira, o autor baseia-se numa espécie de pacto lírico, termo apresentado por Antonio Rodriguez, que remete ao pacto autobiográfico de Phillippe Lejeune, aqui repensado na sua possibilidade de abrangência, bem como na noção de “configuração”, de Paul Ricoeur, sobre a própria realidade empírica, tensionada pelo mundo do texto. Nesse sentido, Antonio Aílton observa a existência de um elemento aglutinador no processo de consolidação da experiência, que, espacializada, sedimenta uma compreensão, disposta numa abertura, possível da poesia.
O mundo da obra e o mundo do texto são pensados como formas sensíveis. Não por acaso, considera a condição lírica na estruturação do poema, e sua configuração discursiva, fundamentais na interação afetiva. De modo que a noção de “pacto”, entendido como um “ato de escritura sensível” possibilita a abordagem do que o autor denomina ser uma “larga lírica”, escolhida a partir da configuração de experiências fundamentais e particulares “em relação com este momento e com as concepções de contemporaneidade que ele suscita”.
O autor ultrapassa a compreensão da configuração textual que pressupõe uma estrutura compositiva, “um ordenamento de relações”, ao entender o corpo do poema como matéria textual-discursiva que organiza relações e estratégias de sentido e sensibilidade. Para o autor, nas cinco configurações de “algumas poéticas de referência” certas possibilidades apontam não apenas caminhos legítimos das considerações apresentadas anteriormente, mas evidenciam a complexidade de um conjunto que possui a dinâmica própria de poéticas de alto vigor, de acordo com os cinco horizontes apresentados pelo autor, que expandem a compreensão da poesia brasileira contemporânea.
Ricardo Nonato é Poeta e Doutor em Teoria da Literatura
Editor do zine Círculo Poético de Xique-Xique