Antônio Melo, Jornalista - 100 dias convencionou-se como um praz, um marco razoável para que governos mostrem a que vieram. O general Médici, segundo o Ibope, chegou aí com 82 por cento de aprovação. José Sarney, transformou os brasileiros em seus fiscais e também bombou em tão curto tempo. Collor, o caçador de marajás, mesmo disparando contra a poupança dos seus eleitores, mantinha, em igual período, intata a popularidade que o fez presidente.
Todos eles conseguiram essa façanha pela clareza de objetivos dos seus governos. Médici, cavalgou a Transamazônica, as usinas nucleares, a ponte Rio-Niterói e a censura que enxugava o sangue que escorria abundante nos porões do seu governo e o povo nem sabia; Sarney congelou preços com o plano cruzado e, por decreto, acabou com a inflação. Collor, inspirado por Zélia Cardoso, pilotava uma economia que se abria às importações e aos escândalos.
O “Mito” completa esta semana seus 100 dias. A popularidade que o levou à Presidência, impulsionada pela facada de um irresponsável, está se desmilinguindo à falta de substância. (Mito, segundo o dicionário Michaelis, significa, sociologicamente, “crença geralmente desprovida de valor moral ou social”).
Talvez seja muito difícil, mesmo para os apaixonados pelo Mito, atribuir uma cara ao governo dele. Mesmo que se exclua bobagens tipo as visões da ministra Damares que, aflita, enxerga Jesus Cristo comendo goiaba trepado num galho de goiabeira, arriscando levar um tombo.
Nosso presidente, exceção se faça à Primeira Dama -mesmo assim tem aquela história mal contada do cheque que, desencaminhado, se materializou na bolsa dela- tem uma família muito complicada. Semana dessas, o caçula, eu nem sabia desse, o Zero-Alguma-Coisa, foi mostrado pela Veja treinando num stand de tiros da Polícia Federal, com metralhadora da Polícia Federal, com balas da Polícia Federal, com instrutor da Polícia Federal. Não será nada demais se eu, você que me lê ou qualquer cidadão brasileiro chegar em uma sede da PF para fazer o mesmo. Agora que a posse de arma é legal. Se o Zero-Qualquer-Coisa pode, a gente também pode.
Depois, tem o Zero senador que era deputado. Esse é complicado. Se mete em cada uma. Vive fazendo selfie. Depois se descobre que parte desse pessoal das fotos é da banda podre da polícia: milicianos, matadores, seguranças de traficantes. Mas ele garante, só descobre isso depois. Para alguns desses sujeitos conseguiu até homenagens especiais da Alerj, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Dentre essas figuraças estão os dois milicianos acusados pelos assassinatos da vereadora Marielle e do motorista dela. O rapaz ainda tem a história mal explicada do Fabrício Queiroz, um ex-PM, assessor e motorista dele que fazia movimentações financeiras suspeitas flagradas pelo COAF. Nada demais se considerar que o próprio Flávio fez 48 depósitos num caixa eletrônico da Alerj, em dinheiro, tidas como suspeitas pelo mesmo órgão.
Mas deixemos essas estripulias familiares de lado e voltemos aos 100 dias. Além da posse de arma, o presidente alimentou uma briga sem quartel com o Congresso. Sua arma, o Twitter. Fez muitos disparos, mirando a figura do presidente da casa, deputado Rodrigo Maia. Os estilhaços atingiram o voo congressual do principal projeto deste governo: a reforma da previdência. Aliás, proposta que também foi dos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer. Só que aqueles tinham outros projetos em andamento, obras sendo tocadas, agendas nacionais em discussão. O atual, não. É bem verdade que o Sérgio Moro até tenta, mas sem respaldo.
Antes de tudo isso, o governo irritou a comunidade de países árabes, destino de mais de 20 por cento das exportações brasileiras, anunciando que ia transferir nossa embaixada para Jerusalém. Através do despreparado ministro das Relações Exteriores, cria de Olavo de Carvalho, irritou a China com medo do fantasma de Mao Tse Tung, morto em setembro de 1976. Pouco importa para o chanceler que os chineses sejam os maiores importadores de produtos brasileiros, batendo de longe os Estados Unidos.
Enquanto essas barbeiragens todas são cometidas, o senhor Jair Bolsonaro, sem dizer com base em que, anuncia que não vai permitir novos radares em estradas federais e nem a substituição dos existentes, mesmo os com defeito. Já houve mais de 5 mil desses aparelhos nas Brs, hoje não chegam a 500. Qual a razão da medida? Na Inglaterra, mostrou o Jornal Nacional, os radares reduziram as mortes nas estradas em 39 por cento.
Mas, e o desemprego? Ultrapassou a casa dos 13 milhões, diz o IBGE. Bolsonaro diz que é mentira. Ou seja, o IBGE é o termômetro. O Brasil, o paciente. O termômetro mostra que o paciente tem febre. Bolsonaro, que não é médico, já tem o remédio para o caso: quebrem o termômetro que o desemprego acaba.
Encerrando sua viagem a Israel -não entendi bem para quê- o presidente resolveu corroborar seu ministro das relações exteriores, desmentir os livros de história e afirmar que Hitler era de esquerda. “Uma grande besteira” a afirmação do nosso chanceler, disse Georg Witschel, embaixador alemão no Brasil. Se tivesse prestado atenção ao que está no site do Museu do Holocausto que visitou em sua viagem a Israel, Bolsonaro teria lido lá que o movimento liderado por Adolf Hitler é descrito como fruto de “grupos radicais de direita”. Aí, não teria dito bobagem.
Mas a coleção de absurdos não para. O colombiano Velez, nosso ministro da Educação, discípulo de Olavo Carvalho, pretende reescrever a história recente do Brasil. Anunciou com pompa e circunstância que em 1964 não houve golpe. Houve um movimento legal que cumpriu a constituição. Não dá para levar a sério, dá? Jango não renunciara à Presidência. Ele foi para o Rio Grande do Sul quando o general Olímpio Mourão Filho movimentou tropas em Minas em direção ao Rio com o intuito de derruba-lo. O senador Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso, em flagrante desrespeito à Constituição, porque Jango estava em solo nacional, declarou a 1 hora da madrugada de dia 2 de abril, o cargo como vago e anunciou Ranieri Mazilli, presidente da Câmara, como novo mandatário do país.
A atitude provocou revolta no político mais comedido, reconhecidamente calmo e experiente do Brasil, Tancredo Neves que, dedo em riste, investiu contra Moura Andrade: -Canalha, canalha, canalha!
Essa é a história que o colombiano Velez quer reescrever com o seu sotaque subserviente.
Não votei em Bolsonaro, mas ele é meu presidente. Despreparado, como supunha. Mas é. Mesmo assim, quero que cumpra o seu mandato até o fim. Ele tem a legitimidade das urnas. Não sou golpista.